segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Mão dupla


Que eu me lembre, a primeira concepção que eu tive de fim, foi a primeira vez que eu entrei numa rua sem saída. Nunca havia pensado nisso, pra que mais serviria uma rua se não para levar àlgum lugar? Como havia um muro com portão no fim do quarteirão? Eu tinha pouco menos de 5 anos de idade, estava no banco de trás do carro, meus pais na frente.
Era um domingo, haviamos saído para almoçar, na volta pra casa estavamos passando pelo bairro que acabavamos de nos mudar, eu estava achando toda a mudança muito interessante, pensando em várias coisas que eu periodicamente digeria a respeito dos meus complexos achismos sobre o mundo, enquanto olhava a rua pela janela do carro.
Uma coisa que eu gostava era quando o carro do lado e o do meu pai estavam andando lado a lado quase na mesma velocidade, me dava um friozinho na barriga e eu ficava imóvel só movimentava os olhos, vendo a rua passar, com a sensação de que estavamos num trilho, e que na verdade quem estava em movimento era a rua, não os carros. Brincava com meu reflexo no vidro, que vendo de dentro do carro era levemente côncavo e deformava a imagem, ouvia pedaços de conversas dos adultos e pensava coisas à respeito, misturava com a sensação do domingo a tarde, o vento leve, as pessoas andando devagar, as ruas vazias, o sol... Mas era nova a idéia de que uma rua, simplesmente acabava!
Lembro do meu pai ter dito "Ai, não tinha visto que era rua sem saída!" Eu ouvi, pulei pro espaço entre os bancos da frente, fiquei atenta enquanto meu pai manobrava o carro... Lembro de ter dito "É aqui que acaba o mundo, mãe?" Eles riram. Não debocharam, foi aquela risada de quando uma criança faz uma dessas perguntas que é tão simples que a gente nunca parou pra pensar, mas que pra criança muda todo o rumo da história. Minha mãe explicou que não, era só o fim da rua, que acontece sempre". Mas, fiquei olhando para trás, vendo aquela rua que acabava no meio do caminho. Fiquei pensando... Porque fizeram essa rua no meio do quarteirão então? Porque alguém abriria um espaço de rua no meio do quarteirão que não chega até o outro lado para cruzar com outra rua? pq não fecharam a rua antes? A rua poderia até acabar, mas porque acabar no meio da quadra? Foi então que eu cheguei a uma das minhas primeiras conclusões óbvias de que toda rua sem saída tem que ser de mão dulpa, pois ou não se pode entrar nela, ou nunca mais se saí dela.
Esta noite, eu estava voltando pra casa sozinha no carro, no silencio, pensando... fui andando por um caminho que nem sempre faço, virei por ruas que nem sei porque, no meio da noite, e quase entrei na rua sem saída que meu pai entrou daquela vez e me lembrei desse domingo a tarde.

A rua está lá, bem no meio do quarteirão, com o muro e o portão no final, de mão dupla.